Tradução técnica

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Técnica, científica ou especializada?[editar | editar código-fonte]

Literária x não literária[editar | editar código-fonte]

É comum classificar como tradução técnica tudo aquilo que não se pode considerar como tradução literária. Essa visão, no entanto, limita o universo tradutório a dois tipos de tradução: tradução literária e tradução não-literária. Tradução literária seria a tradução de textos literários conforme a visão tradicional do que seja literatura e seus gêneros (drama, ficção, poesia, romance, novela, etc.), e tradução não-literária abrangeria todo o resto.

O problema dessa concepção é estabelecer a literatura como o padrão definidor do que seja tradução: ou é tradução literária ou é qualquer outra coisa que se queira chamar de tradução. Uma segunda questão é criar uma equivalência discutível entre tradução técnica e tradução não literária e, a partir disso, incluir toda e qualquer forma de tradução na categoria de "não literária" para classificar como tradução técnica a tradução de textos jurídicos, médicos ou da área de saúde, ligados à tecnologia da informação, filosóficos ou manuais de eletrodomésticos ou de operação de helicópteros.

Tradução técnico-científica[editar | editar código-fonte]

Também se usa o termo "tradução técnico-científica" para incluir tradução de textos científicos, ligados às ciências, e de textos técnicos, ligados à tecnologia. Porém, autores como Byrne (2006)[1] sustentam a ideia de que tradução técnico-científica é um termo difuso, genérico demais, e que, na verdade, não seria exato, já que existem diferenças significativas entre as definições de ciência e tecnologia. Enquanto a primeira se ocupa de conhecimento fundamentado na observação e a experimentação, testado de forma crítica, sistematizado e apresentado segundo princípios gerais, a segunda se relaciona com a aplicação do conhecimento científico para fins práticos. Assim “os textos científicos seriam aqueles que explicam a ciência, enquanto os textos técnicos tratam da aplicação do conhecimento científico para fins práticos” (Byrne, 2006, p. 8-9, citação traduzida por Jorge Davidson).

Tradução especializada[editar | editar código-fonte]

Tradução especializada é o termo adotado por Maragareth Rogers em seu livro Specialised Translation – Shedding the ‘Non-Literary’ tag[2].Rogers defende a ideia de que o uso de terminologia especializada constitui a marca mais nítida para tipificar tradução como tradução especializada, de forma a não cair nas categorias vagas e por demais abrangentes contidas nas ideias de tradução não literária, científica ou técnica. Rogers recorre à longa tradição dos estudos terminológicos aplicados à linguagem para fins específicos (LSP, Language for Special Purposes) como base para adoção de bases terminológicas especializadas aplicada à tradução.

A caracterização da tradução especializada pela terminologia, segundo ela, não se restringe apenas ao uso de termos específicos de cada área, mas abrange também fenômenos linguísticos como a nominalização, marcadamente no inglês, em que sintagmas nominais e substantivos ganham maior visibilidade textual do que outras classes de palavras ou estruturas linguísticas.

Patinho feio[editar | editar código-fonte]

O fato é que a tradução técnica e a tradução especializada são consideradas há muito tempo como "os patinhos feios" da tradução, especialmente nos círculos acadêmicos, algo assim como uma tradução de segunda divisão, especialmente quando comparada com a tradução literária (Byrne, 2006), e sem o charme, por exemplo, da legendagem de filmes, seriados e videogames. Por isso, os trabalhos que oferecem reflexões teóricas sobre tradução técnica ou especializada são limitados, tanto em termos numéricos como no que se refere aos assuntos abordados. Isso vem se revertendo nos últimos anos e a área vem ganhando espaço crescente nas pesquisas, em um esforço por adequá-las à realidade da tradução moderna. Independentemente do espaço ocupado no âmbito acadêmico, é inegável a sua importância, tanto econômica como em termos de volume. O peso da tradução especializada no mercado é indiscutível: segundo autores como Kingscott (2002) e outros, 90% das traduções realizadas no mundo todo (e aproximadamente 70% das traduções realizadas no Brasil) podem ser classificadas como traduções técnicas ou especializadas.

Características[editar | editar código-fonte]

Diversas características conferem à tradução especializada certa singularidade e permitem diferenciá-la, grosso modo, de outros tipos de traduções. Porém, é importante salientar que essas características não são exclusivas dos textos especializados, não estão presentes na totalidade dos textos especializados e são insuficientes para defini-los de forma absoluta, considerando a imensa diversidade tipológica existente na atualidade.

Textos informativos ou didáticos[editar | editar código-fonte]

A primeira característica que poderíamos mencionar é que a função dominante de boa parte dos textos especializados, e consequentemente da sua tradução, é informativa ou didática. Ou seja, eles são redigidos basicamente para transmitir uma informação de forma precisa. Isso implica que o critério principal ao traduzir grande parte dos textos especializados deve ser informativo ou didático, em lugar de estético (como acontece na tradução literária). Isso pode impor ao tradutor uma tendência a certas escolhas na redação, como privilegiar frases curtas, evitar ambiguidades e estruturas gramaticais complexas e repetir termos em uma frase para manter a clareza da mensagem, para mencionar só algumas.

Terminologia específica[editar | editar código-fonte]

Uma segunda característica que poderíamos destacar é a obrigatoriedade do uso das chamadas línguas para fins especializados, as Languages for Special Purposes, ou LSPs, conforme o termo em ingês. Por estar restrita a um campo do saber específico, a tradução especializada exige o uso de terminologia também específica, aquela compartilhada e amplamente aceita pelos públicos específicos a quem a tradução se destina. Isso faz com que o tradutor encontre uma limitação no seu universo terminológico e, em muitas ocasiões, deva deixar de lado preferências pessoais ou norteadas por outros critérios e utilizar termos de uso consagrado na área na qual se insere o trabalho que está realizando.

Estrutura repetitiva[editar | editar código-fonte]

A terceira característica seria a presença relativamente frequente de repetições, tanto intratextuais como intertextuais. Por diversos motivos, é comum encontrar frases que se repetem, de forma total ou parcial, dentro de um texto ou entre textos que fazem parte de um mesmo projeto ou pertencem a um mesmo cliente. Aliás, esse é um dos principais motivos que impulsionou o desenvolvimento das ferramentas de tradução assistida por computador (ou CAT Tools), amplamente utilizadas em tradução especializada (embora também tenham sido adotadas em outras áreas).

Esse caráter repetitivo pode ser visto tanto na fraseologia quanto na terminologia especializadas. Diversas áreas contam com fórmulas fraseológicas que reforçam a tipificação de um texto como pertencente a uma determinada área de especialização.

Algumas concepções errôneas sobre a tradução especializada[editar | editar código-fonte]

Como afirmamos antes, as características acima descritas não são suficientes para descrever a grande diversidade dos textos que poderiam classificar-se como textos especializados. Ainda mais, limitar-se a elas poderia conduzir a uma simplificação excessiva e ao reforço de certas concepções errôneas cristalizadas ao longo do tempo. Byrne (op. cit.) cita várias delas, para depois desconstruí-las.

Para além da terminologia[editar | editar código-fonte]

Uma dessas concepções errôneas é que o único aspecto importante na tradução especializada é o domínio da terminologia. Embora a terminologia ocupe um lugar de destaque na tradução especializada, conhecer os termos apropriados não tem tanta importância como saber escrever um texto na língua de destino considerando muitos outros fatores, como as convenções, a estrutura, a adequação ao público-alvo, etc. O conhecimento da terminologia seria suficiente para criar um glossário, mas de forma alguma dá conta da redação de um folheto publicitário sobre um novo aparelho para facilitar a vida dos pacientes com diabetes, para citar um exemplo. Além disso, os termos específicos, na verdade, só constituem uma percentagem muito baixa da totalidade do conteúdo: segundo Newmark (1988), de 5 a 10%. Nenhum conhecimento terminológico, portanto, é capaz de substituir a clareza na redação e o conhecimento das estruturas das línguas de origem e destino. A utilização da terminologia correta é, portanto, uma condição necessária, mas de forma alguma suficiente para o tradutor especializado.

O estilo importa[editar | editar código-fonte]

Outra concepção errônea mencionada por Byrne é que o estilo não é importante em tradução técnica ou especializada. Na verdade, o estilo é tão importante nos textos especializados como em qualquer outra área da tradução. Como afirma o autor, muitos textos especializados falham não por erros terminológicos, mas por não proporcionarem uma boa legibilidade. Por outra parte, a diversidade tipológica dos textos técnicos na atualidade supera a ideia obsoleta de que tradutores técnicos seriam "simples" tradutores de manuais. A produção de documentos técnicos e especializados multilíngues de natureza muito variada, que responde a uma nova demanda de comunicação de um mercado global, impulsiona a criação de documentação na qual, muitas vezes, é difícil distinguir o produto, o marketing e o material técnico, que aparecem reunidos de forma difusa em um mesmo texto (Cámara, 2001)[3]. A área de tecnologia da informação é um claro exemplo disso, onde a tradução de um site institucional, uma apresentação de uma companhia ou uma brochura de um produto exige tanto conhecimento especializado, quanto domínio da linguagem persuasiva da publicidade.

Criatividade e tradução especializada[editar | editar código-fonte]

Uma terceira concepção errônea é a ideia de que a tradução especializada não é criativa, já que implicaria um processo simples de transferência reprodutiva. Apesar de as opções estéticas serem mais restritas em textos especializados, notadamente os mais técnicos, não devemos nos deixar enganar por sua aparente simplicidade. Em muitas oportunidades, a tradução especializada exige boas doses de criatividade para resolver problemas, achar equivalências e conseguir comunicar com sucesso uma mensagem. Considerar que os textos literários detêm o monopólio da expressividade e da criatividade é uma ideia excessivamente simplista (Zerhsen, in Byrne, 2006).

Referências[editar | editar código-fonte]

  1. BYRNE, J. Technical Translation: Usability Strategies for Translating Technical Documentation. Países Baixos: Springer, 2006.
  2. ROGERS, M. Specialised translation: Shedding the 'non-literary' tag: Palgrave, Surrey, 2015.
  3. CÁMARA, L. El papel de las herramientas TAO en la documentación técnica multilingüe. Revista Tradumàtica, número 0, 2001.

Outras referências[editar | editar código-fonte]

KINGSCOTT, G. Technical Translation and Related Disciplines. Perspectives: Studies in Translatology, Vol. 10, p. 247-255. 2002.

NEWMARK, P. A textbook of translation. London and New York: Prentice Hall International (UK) Ltd, 1988.